Como se mata um aquífero e uma região
Por José Cláudio Souza Alves, Pró-reitor de Extensão da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)
O Comitê Guandu, através da sua câmara técnica, que analisa o impacto da Central de Tratamento de Resíduos (CTR) Santa Rosa sobre os recursos hídricos da região, realizou uma visita ao referido aterro sanitário para avaliar sua implantação.
Representantes deste Comitê, da Prefeitura de Seropédica, da Câmara de Vereadores, da UFRRJ, do DCE e da sociedade civil compuseram a comitiva que chegou ao local por volta das 11h do dia 6/5. Ao chegarmos, percebemos que as instalações, os caminhões que transportavam o lixo, vários carros e uniformes eram da Prefeitura do Rio de Janeiro, com sua logomarca, ou da Comlurb, não permitindo identificar o que pertencia realmente à empresa Ciclus. Durante a visita técnica, constatou-se o pior: o início das atividades da CTR se deu de forma irregular, sem que as exigências para sua implantação tivessem sido cumpridas.
Os sensores eletrônicos necessários para identificar vazamentos de chorume sobre o aquífero não estão funcionando. Logo, se embaixo da atual montanha de lixo existir algum vazamento, não há como detectar. Além disso, o sistema não é online, isto é, ele serve para que a empresa elabore relatórios, a serem enviados, mensalmente, para o Inea (Instituto Estadual do Ambiente). Nesse caso, mesmo que no futuro ocorra algum vazamento, há o risco da informação ser enviada muito tardiamente ou mesmo ser manipulada, mascarando a possível contaminação do aquífero.
Foi identificada a coleta ilegal de água do próprio aquífero, a partir de poços ou da sucção direta de uma lagoa, identificada pelo relatório da empresa como sendo temporária, mas que na verdade é perene. Esta água está sendo utilizada para molhar o lixo e as vias de acesso ao lixo, a fim de reduzir o cheiro e a poeira.
O centro de tratamento de chorume não foi construído ainda. O que existe é uma imensa lagoa de chorume, a céu aberto, emitindo odores e elementos infecto-contagiosos, cujo resíduo líquido é recolhido por um caminhão de sucção e levado para a CTR Nova Iguaçu, da mesma empresa que, conforme denúncia anterior, vem contaminando o lençol freático daquela região.
Vários animais foram encontrados dentro do empreendimento: gado, cães, quero-queros, peixes, anfíbios, revelando a contaminação direta deles. Por outro lado, apenas uma cerca de arame faz o isolamento da área, permitindo a penetração de ratos, gambás, outros roedores e pequenos animais, que se transformarão em agentes portadores de dezenas de doenças – entre elas a leptospirose – que, em momento de inundações, acarretarão epidemias.
A montanha, com aproximadamente 20 mil toneladas de lixo, já se encontra instalada, bem próxima à encosta da serra, na área de recarga do aquífero. O sistema de drenagem, nesta área, sujeita a inundação, simplesmente não foi construído pela em presa. Ela se vale do sistema do arco metropolitano, externo ao empreendimento, revelando o risco de contaminação pelo transbordamento do chorume.
O que foi até aqui descrito revela o descaso e a conivência dos setores público e privado com o crime ambiental de destruição do aquífero Piranema, contaminação de solo e proliferação de doenças. Cabe agora ao Comitê Guandu, através do relatório de sua câmara técnica, encaminhar denúncia ao Inea; cabe aos vereadores e ao secretário de Meio Ambiente e Agricultura de Seropédica fazer o mes mo. A nós, UFRRJ, cabe denunciar o fato publicamente e manter nossa atuação através do Fórum de Mo bilização Contra o Aterro Sanitário em Seropédica.
Precisamos criar uma comissão técnica permanente, pela instituição, que faça medições regulares dos índices de contaminação de solo, água, ar e de disseminação de doenças na região, para alimentar constantes relatórios que inviabilizem a continuidade deste empreendimento. Caso contrário, veremos a realização das mais nefastas previsões quanto à degradação da vida da cidade e da universidade, conforme indicam os inúmeros relatórios por nós elaborados.
Fonte: Ascom / UFRRJ
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